IV Assembleia de Mulheres da CLOC discute patriarcado e capitalismo

A Assembleia teve inicio com uma mística emocionante, que destacou as martíres do continente latinoamericano e seus ensinamentos para a luta de hoje. A comissão de organização do V Congresso da CLOC foi chamada para saudar a todas e todos participantes da Assembleia de Mulheres. Diego Montón transmitiu a todas as saudações da Comissão Continental do Congresso. Segundo Montón, o V Congresso da CLOC terá uma participação de mulheres maior do que a de homens. “As mulheres estão assumindo esse protagonismo de que necessitamos, de que os povos tanto necessitam. O cuidado com as semente e com as plantas que garantem a alimentação do mundo, se deve às mulheres. Assim como estamos avançando na luta contra o capital, estamos avançando na luta contra esse mal que é o machismo”, disse ele.

Ele citou as Mães da Praça de Maio que, na época mais dura da ditadura argentina, começaram a se organizar e foram bastante reprimidas, mesmo assim, firmaram como ponto de encontro a Praça de Maio, para denunciar ao mundo o que estava acontecendo. O exército as perseguiu e disse que não podiam se reunir na praça, mais uma vez elas resistiram e ficaram caminhando, dando voltas na praça, fazendo sua reunião. Muitas sofreram, algumas são desparecidas, e, ainda hoje, 30 anos depois, continuam a se reunir na Praça de Maio, para continuar denunciando os que ainda estão desaparecidos pela ditadura argentina e os responsáveis que não foram punidos. Essa ação desse grupo de mulheres foi responsável pela punição de alguns dos culpados pelos desparecidos e torturados na ditadura argentina. “Ainda temos muito a avançar com toda a violência que ainda é empreendida na América Latina contra as mulheres. Mas sigamos e ainda temos muitos desafios, mesmo dentro das organizações, onde por muitas vezes a participação das mulheres não é garantida. Devemos transmitir todo esse debate a nossas organizações, comprometendo-nos todos os companheiros a levar esse discurso, combatendo o machismo e o patriarcado”, disse Montón. Diego conclui, “quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede. A luta pelo feminismo não é só das mulheres, mas de toda nossa sociedade”.

Juscilene, representante da juventude e do Haiti, saudou a todas as participantes da III Assembleia de Mulheres, em nome da juventude combativa. “Sem uma juventude combativa, não há uma luta constante contra a opressão, pela justiça e contra a desigualdade. Devemos lutar juntos para um mundo socialista, onde há vida para todos, sem exclusão social”, finalizou ela.

Patriarcado e capitalismo versus feminismo e socialismo

Nalu Farias, representante da Marcha Mundial de Mulheres e da SOF, e Eliana Moura, do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), compuseram a primeira mesa do dia para debater os temas do patriarcado e capitalismo, bem como feminismo e socialismo.

“Sempre quando falamos desse tema, do patriarcado e machismo, tentamos nos remeter para o nosso cotidiano, como se configura isso em nosso dia a dia. No cotidiano das mulheres, muitas vezes, isso aparece como uma coisa muito natural, sendo que não o é. Muitas se conformam diante das opressões por achar que isso é normal, que sempre foi assim. Da mesma forma, as vezes parece natural, que o espaço que tenhamos para plantar nas terras seja o espaço que o homem não quer. Da mesma forma, parece normal que os homens agridam suas mulheres quando estão irritados ou nervosos, e da mesma forma parece normal que os homens determinem como se dará a sexualidade da mulher no ato conjunto”, disse Nalu Farias.

Segundo Nalu Farias, ainda, o capitalismo aprofundou a divisão sexual de trabalho. “Não podemos entender como funciona uma sociedade capitalista, se não compreendemos como se dá essa divisão sexual de trabalho. O capitalismo aprofundou a ideia de divisão entre uma esfera pública e uma esfera privada de trabalho, a pública seria o trabalho, a pesquisa, o estudo, a prestação de serviços, e o trabalho privado não é reconhecido como trabalho, e ainda se considera que essa atividade é característica às mulheres. E mesmo quando as mulheres entram no mundo do trabalho público, entra nessa divisão, tendo empregos menores, menores salários, menos cargos de chefia, entre outros”.

Foi dado ao homem um poder do qual ele tem total consciência de que possui. Muitos dizem que é involuntário, mas não é verdade, frisou Nalu. Com isso, as crianças, os filhos, também percebem que a voz forte, os mais importantes no mundo são os homens. “O que pode explicar que um homem agrida sua companheira, que um homem violente sua filha, se não é essa ideia de poder total que os homens possuem”, disse ela. Essa ideia naturalista de que os homens são assim, deve ser derrubada. “Isso também se remete na sexualidade. Quando se diz que a sexualidade das mulheres é diferente da dos homens, porque os homens possuem mais desejo e as mulheres menos, entre outras coisas, vai-se construindo normas embasadas no modelo masculino e heterosexual”, completou Nalu.

Segundo Nalu, o que podemos dizer desse momento de relação do capitalismo e patriarcado, é que é um momento de maior complexidade. Muitas mulheres, por elas mesmo, quando tem acesso ao capital, geram conflitos entre elas, não só conflitos econômicos mas também conflitos entre mulheres. O ganho de direitos não garante a igualdade para todas as mulheres. O capitalismo continuará usando a exploração do trabalho das mulheres, a imposição dos homens sobre as mulheres, destacou a representante da MMM. “Quero destacar a importância de que as mulheres estejam organizadas como mulheres. Se não fosse os movimentos de mulheres, as lutas continuariam sendo levadas e divulgadas como lutas de homens. Na América Latina está em caminho um movimento de mulheres cada vez mais feministas, por mais que não se digam feministas, não há problema, mas a prática é de questionamento da base das relações”, finalizou Nalu.

 

Sem feminismo não há socialismo

Eliana Moura, representante do MTD, iniciou sua exposição analisando a situação dos centros urbanos. “Vivemos nos centros urbanos uma luta por trabalho e por comida saudável. Nos centro urbanos comemos um alimento que é o lixo que o agronegócio despeja sobre a população. Um alimento que molesta e que envenena mulheres e crianças”, analisou ela.

Sem feminismo não há socialismo, segundo ela, porque temos que vencer e superar profundamente a visão de propriedade privada, sobre a vida, sobre o corpo e sobre a alma dos seres humanos. Está produção da propriedade privada é organizada cientificamente, profundamente. “Temos que vencer o patriarcado, que é mais antigo que o capitalismo, tem mais de 10 mil anos, e surgiu justamente com a propriedade privada, quando alguns homens se apropriaram do trabalho de algumas pessoas pela violência. Temos que vencer a alienação, sobre nosso corpo, sobre nossa natureza, sobre nossa classe, sobre tudo, porque o capitalismo e o patriarcado se baseiam em uma sociedade que fragmenta tudo, toda a vida. Não compreendemos como funcionam as coisas e, muita vezes, não compreendemos nosso corpo. Somos educados num formato fragmentando, onde aprendemos pedaços do conhecimento, onde não há ligação. Pois se compreendemos o conhecimento, a história e o mundo como um todo, não teria dominação e isso não interessa ao capital”, analisou Eliana.

A representante do MTD analisou, ainda, que a igualdade que possuímos atualmente não é formal, ela tem que ser substantiva, tem que ter conteúdo e aplicabilidade. “Não basta para nós a liberdade do capitalismo, ela é apenas aparente, substancial. Pois o que determinam as coisas, nesse sistema, é a vida material”, disse ela.

A luta feminista tem que enfrentar esses e outros tantos desafios. O capitalismo se firmou no início do século XX através dos EUA, que despejou sobre a América Latina e o mundo, seu modo de vida americano. Homens como Ford criaram sistemas de produção material das coisas em um ritmo acelerado, que exige um tipo de ser humano rápido, ágil, cronometrado. Ford passou então a só contratar homens casados , por achar que eles são mais disciplinados e contidos. Esse modelo de produção enfatiza, alimenta e fortalece, portanto, um modelo de casamento monogâmico, com uma mulher contida, disciplinada, cabisbaixa e obediente.

Todo modo de produção organiza, assim, uma moral. O modo de produção escravo produziu uma moral de obediência. A moral da obediência tem em nossas vidas uma construção escravizante. Os colonizadores europeus trouxeram, também, outra moral, a moral do sistema feudal, a honestidade. No capitalismo a moral é de que só é gente quem trabalha, quem não trabalha está fora do sistema, é inútil. Essas morais foram sendo somadas, nenhuma foi derrubada para se construir outra. A revolução socilaista para as mulheres, portanto, é dupla, pois tem que ser contra o patriarcado e contra o sistema. E, diferentemente do que destacam alguns, segundo Moura, “o feminismo não significa a divisão da classe jamais, pois o feminismo é uma visão de totalidade e não de uma parte pequena apenas”.

 

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